15-M em Barcelona: bairros somam forças contra corte de direitos sociais


Fabíola Munhoz - Carta Maior - Os jornais espanhois de hoje anunciam o aumento do risco atribuído à dívida espanhola como conseqüência das indefinições sobre o segundo resgate financeiro do Banco Central Europeu à Grécia. Outros fatores indicados como causas para essa avaliação negativa da economia espanhola são: o recente acirramento dos efeitos da crise econômica na Irlanda e a notícia de que os Estados Unidos estão em recessão.

Esse bombardeio de notas informativas sobre o comportamento dos mercados se mescla a um dos destaques nos meios de comunicação europeus de hoje: "na Itália, novo programa de governo apresentado por Berlusconi defende medidas drásticas de economia de recursos frente à desconfiança dos investidores internacionais com relação a sua dívida". Esse plano, que será debatido pelo Senado italiano, prevê privatizações e o congelamento de pensões, dentre outras ações que exigirão o corte de serviços públicos.

Em Barcelona, cujo cenário de investimentos é considerado ainda menos encorajador que o italiano, os ativistas do 15-M já se preparam para a próxima data marcada pelo Parlamento Catalão, para discussão e aprovação do novo orçamento dessa região espanhola, acompanhado da intenção de por em prática o corte de diversos direitos sociais, dentre os quais educação e saúde.

O tema foi debatido pelos indignados de diversas partes de Barcelona e até de fora da cidade, durante terceiro encontro de assembléias de bairro realizado no último domingo (10/7), na Glorieta do Parc de la Ciutadela. Ali, representantes de regiões da capital catalã, bem como povoados e vilas próximas, dedicaram parte de uma tarde ensolarada a um debate que continuou noite adentro, abordando maneiras de melhorar a comunicação entre diferentes comunidades e a construção de uma proposta conjunta de democracia direta por meio de assembleias.

Quanto a esse ponto, o bairro de Barcelona chamado Sants se adiantou, propondo um plano de organização para as assembleias, que vem sendo discutido em todas as localidades ativas na luta iniciada com o 15-M. Todas essas diferente populações poderão fazer contribuições e críticas ao modelo, até que chegue o momento de sua votação.

E o modo como a vontade de cada comunidade poderá se fazer ouvir com o mínimo possível de intermediação foi um dos pontos em torno dos quais mais discussão se gerou. Todos concordaram que é necessário existir porta-vozes para cada bairro, que possam levar as decisões dessas populações a reuniões gerais do movimento. No entanto, ainda não se sabe como essa espécie de representação ocorreria na prática sem cair no distanciamento entre povo e escolha política observado na democracia representativa atualmente vigente.

Sobre isso, integrantes de diferentes bairros manifestaram-se em favor de que os porta-vozes sejam cargos rotativos cujos ocupantes jamais tenham direto ao voto, sendo sua função tão somente a de comunicar à reunião de assembleias o que sua comunidade tiver decidido sobre determinado tema.

Esse e outros pontos deverão ser especificados na proposta organizativa conjunta, que seguirá sob debate nos bairros, vilas e povos, até o próximo encontro de assembleias previsto para os dias 17 ou 18 de setembro. Nessas datas, a ideia seria que já se chegasse a um consenso sobre um modelo de organização e decisão por assembleias para o 15-M como um todo.

No entanto, como alguns dos representantes de 18 comunidades que se manifestaram na reunião do último domingo disseram que talvez esse tempo seja insuficiente, optou-se pela realização de um encontro prévio ao do dia 17, para que nessa ocasião seja avaliada com os bairros a possibilidade de já se levar a cabo um processo decisório na reunião seguinte. Caso até lá as discussões não estejam satisfatoriamente avançadas nas várias localidades, o próximo encontro de bairros será destinado a prosseguir com as discussões.

Depois dessa fase de debate sobre a continuidade do movimento, a conversa girou em torno da próxima ação conjunta do 15-M em Barcelona, prevista para os dias 20 e 21 de julho, quando o Parlamento Catalão discutirá e votará um grande corte de direitos sociais em toda a região. Para a manhã do dia 20, os presentes no encontro de domingo definiram a realização de ações descentralizadas em diferentes bairros, vilas e municípios.

À tarde, por volta das 18h00, haverá uma grande manifestação que sairá da Praça Catalunha, símbolo do movimento, passando pelo Banco Santander e pela Bolsa de Valores até chegar ao Parlamento, onde terminará a passeata. O trajeto foi pensado com o objetivo de transmitir à sociedade a ideia de que o poder político atualmente está submetido ao poderio econômico.

Nessa mesma data, uma assembleia geral acontecerá diante do Parlamento onde, mais uma vez, espera-se que a atuação policial na proteção dos deputados seja ostensiva. Toda essa movimentação acontecerá dois dias antes da chegada da Marcha Popular Indignada (http://marchapopularindignada.wordpress.com/) a Madrid, com as reivindicações de 29 diferentes assembleias realizadas em povos e cidades espanholas.

Diante da previsão desses novos acontecimentos e do aumento da tensão no cenário econômico mundial, os integrantes do 15-M sinalizam sua força de vontade pela resistência. E, para por essa intenção em prática, organizam formas de melhorar a comunicação entre as mais remotas localidades, por meio da criação de um grupo de trabalho que pensará em novas ferramentas de troca de informação entre povos, bairros e vilas. A Comissão não territorial de Comunicação do 15-M também já propôs a criação de uma página web para cada uma dessas comunidades, com a intenção de facilitar a difusão de ações e mobilizações organizadas pela população de cada local.

É certo que esse modelo de democracia participativa ainda está em fase de elaboração e não se sabe o quanto efetivos serão seus resultados. No entanto, o elemento fundamental que leva as pessoas a se unirem para que sua voz seja ouvida cresce, cada vez mais, em tamanho e visibilidade. Trata-se da piora da qualidade de vida dos cidadãos, que já é percebida em Barcelona, e foi ilustrada com angústia por uma funcionária do hospital Dos de Maig que, durante o encontro de domingo, informou que o estabelecimento onde trabalha será fechado no mês de setembro, deixando 3 mil pessoas sem emprego e milhares de outras sem atendimento.

A principal razão dada para essa medida foi a de que a Cruz Vermelha, proprietária do edifício do hospital, quer recuperar o uso do prédio. No entanto, em um comunicado oficial, a entidade já desmentiu afirmação. Depois de escutar esse apelo da trabalhadora da área de saúde para que todo o movimento apoie a luta contra o fechamento do hospital, os ativistas presentes já realizaram ontem uma manifestação na Praça Sant Jaume, onde fica a sede do governo. Além disso, vêm sendo realizadas acampada e caçaroladas diárias à frente do Hospital Dos de Maig, em protesto contra esse atentado à saúde pública em Barcelona.

Espera-se que o corte de serviços essenciais à dignidade humana não continue a ser praticado impunemente sob ordem de agências de qualificação de risco e instituições financeiras. Os afetados por essas medidas em Barcelona já deixaram claro que não sofrerão calados e, tampouco, solitários.

(*) Advogada, jornalista e mestranda em Comunicação e Educação

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