Parlamento da Grécia aprova arrocho; salário mínimo pode cair 25%

Kostis Damianakis - Carta Maior - Arrocho defendido pela Troika (UE, FMI e BCE) é aprovado por deputados. Direitos trabalhistas serão cortados e salário mínimo pode cair dos atuais 751 euros para 560, como o de Portugal. Manifestantes voltaram a tomar as ruas de Atenas. Houve violência policial e brigas entre sindicalistas e anarquistas. O grupo "Não Pagamos" marcou presença. "Nosso movimento continuará crescendo e se massificando porque temos um modelo participativo e solidário", disse um militante do "Não Pagamos".


Atenas - Após mais um dia de protestos e violência na Praça da Constituição e nas ruas periféricas de Atenas, o parlamento grego aprovou o pacote de medidas de arrocho proposto pelo governo grego. A aprovação foi apresentada como uma exigência da chamada Troika (UE, FMI e BCE) para liberar a sexta parcela do empréstimo internacional tomado pela atual administração socialista.

O projeto anula todos os acordos coletivos que garantem os salários mínimos em cada divisão do setor privado, prevê o corte de 100 mil postos de emprego no funcionalismo público dentro de quatro anos e impõe teto salarial geral no setor publico, entre outras medidas.

Foram 153 votos a favor. A ex-ministra de Finanças Luka Katseli acabou afastada da bancada governista, pois votou contra o artigo 37, que prevê a anulação dos convênios trabalhistas. O artigo 37 permitirá que o salário mínimo do país seja reduzido para cerca de 560 euros por mês, como em Portugal, 25% abaixo do atual valor de 751 euros.

O segundo dia da greve geral reuniu 150 mil pessoas, segundo estimativas não oficiais, nas ruas da capital nesta quinta-feira (20). O ato foi marcado pela violência policial e entre os próprios manifestantes, e pela morte por infarto de Dimitris Kotsaridis, pedreiro de 53 anos e dirigente do Pame, o sindicato aliado ao partido comunista.

A manifestação seguiu pacífica até cerca de duas horas da tarde, quando se iniciou uma briga generalizada entre anarquistas e militantes do Pame, o sindicato aliado ao partido comunista. O saldo desse conflito, após uma hora e meia, foi de 40 feridos, um em estado grave.

Tudo começou quando pessoas organizadas no movimento “Não Pagamos” tentaram se aproximar do parlamento, mas foram confrontados pelo triplo cordão formado pelos sindicalistas do Pame, que estavam desde cedo delimitando a manifestação do partido comunista na frente do parlamento. Depois do confronto e a saída dos manifestantes do Pame, a polícia repetiu a receita do dia anterior e disparou bombas de gás lacrimogêneo.

Ao longo do dia, Carta Maior conversou com manifestantes. Leonidas Papadopoulos, de 29 anos, médico que faz especialização em oftalmologia e membro do movimento “Não Pagamos”.

Carta Maior - Quais são os objetivos do movimento “Não Pagamos”?
Leonidas Papadopoulos - Nosso movimento defende o que vários comentaristas mal-intencionados na TV dizem: ou tudo ou nada, ou nós ou eles. É por isso que o sistema está com medo do nosso movimento. Começamos na luta contra o pagamento de pedágios onerosos e injustos e isso se espalhou em outros setores. Já há hoje um senso comum de que o cidadão não deveria pagar por serviços e bens públicos, como o uso das estradas, hospitais, a água, eletricidade etc. Tudo isso deveria ser livre e gratuito, pois é o povo que produz ou sustenta com seus impostos esses bens e serviços, e ele deveria desfrutar deles livremente. No entanto, tudo isso é uma mercadoria para alguns apoiadores do sistema, que querem acumular a mais-valia.

CM - Mas o que explica a dimensão tomada pelo movimento nos últimos meses?
LP - Somos um movimento nacional de ação, e não de palavras. Quero dizer que utilizamos a internet para espalhar nossa mensagem, mas realizamos cinco ou seis grandes atos toda semana. Não temos hierarquia, queremos que todos os companheiros de luta assumam o papel de soldado e de general, e participem na tomada de decisões para agir, e não para falar. A nossa existência é justificada pela crise sistêmica, que é internacional e começou pela Grécia. Neste momento, por exemplo, um assunto central é a saúde pública, que é em grande parte é gratuita ou barata, mas está em processo de privatização. E o problema não é só que o povo não terá grana para comprar medicamentos, também faltarão aqueles para prescrevê-los, para identificar as doenças. O governo e o sistema nos leva a uma situação medieval, e nos obriga a enfrentar os assuntos urgentes do dia-a-dia que o cidadão comum coloca nas reuniões.

CM - O movimento continuará a crescer?
LP - Hoje ele avança, mas a história nos ensina que nem sempre o revolta do povo tende a aumentar com o crescimento da miséria. Veja o Haiti, que, com toda aquela pobreza, não se revolta. O assunto que queremos debater é a luta das classes. Nosso movimento quer se transformar num instrumento social para que a sociedade possa construir um modelo que priorize a pessoa e suas necessidades. Para isso acontecer, cada um de nós, trabalhador, desempregado ou o que seja, deve assumir a luta que lhe cabe e parar de terceirizá-la para os outros, como acontecia sempre na Grécia. O '"Não Pagamos" está crescendo e se massificando a cada dia porque temos um modelo participativo e solidário. Por isso todos nos atacam, desde o governo, a oposição e até o partido comunista, que nos acusam por oportunismo e irresponsabilidade.

CM - Você é médico. Como está sendo afetado pela desvalorização do sistema publico de saúde?
LP - Estou me especializando em oftalmologia. Nas clínicas faltam coisas básicas para aprender e para poder cuidar do paciente. Temos que improvisar muitas vezes e, por isso, o sistema público de saúde hoje se baseia no altruísmo e no sacrifício de todos os funcionários. O próprio ministério desvaloriza os funcionários para pode demitir-los e privatizar facilmente os hospitais. O ministro e sua gangue são sistemáticos nessa tarefa. Além disso, eu perdi 220 euros do meu salário mensal e a metade do pagamento pelas minhas horas extras de plantão. Isso me prejudica, mas também prejudica o paciente, porque o nível do atendimento é inferior quando o médico fica de plantão por 48 horas para sobreviver. No geral, eles nos levam à miséria, ao isolamento, porque ninguém pensa em começar uma família, nem sair, nem se socializar.

Outro manifestante entrevistado por Carta Maior foi Stefanos Korakas, de 35 anos, que trabalha desde 2006 como instrutor artístico da ONG 18 Anos, organização de apoio a viciados em drogas.

Carta Maior - Como você vê o futuro com a nova legislação?
Stefanos Korakas - Pessoalmente estou muito inseguro com o futuro. Estou esperando meu segundo filho nascer, minha esposa está desempregada, já perdi o décimo-terceiro e décimo-quarto salário e já sofri um corte de 200 euros no meu salário mensal. Se eu for demitido ou minha organização fechar por causa das novas medidas, o governo me obriga a sustentar minha família com 650 euros, o que é impossível.

CM - Há a possibilidade de a ONG fechar? O que aconteceria com todas as pessoas que seguem programas de reabilitação?
SK - Nossa organização é parcialmente financiada pelo Estado, como é o caso de outras entidades que trabalham com dependentes químicos e promovem programas chamados "a seco". A terapia que oferecemos à pessoa viciada se dá através de acompanhamento medico e psicológico e atividades criativas, que é o caso do meu trabalho. O governo agora está cortando drasticamente o financiamento dessas organizações e nos dá duas opções. Fechamento ou fusão, que vai jogar milhares de pessoas viciadas de volta às ruas ou direcioná-las a programas de reabilitação com o uso de metadona nos hospitais públicos. De certa maneira, o Estado está satisfeito com a idéia de manter uma pessoa viciada em algo químico ao invés de ajudá-la a tomar sua vida de volta.

CM - E os efeitos dessa crise na sociedade devem ampliar a necessidade de organizações como a de vocês, não?
SK - É verdade. Nos últimos anos o uso de drogas tem aumentado bastante, acompanhando o aumento do desemprego e do desespero das pessoas, principalmente entre os jovens que não vêem nenhum futuro nesse país falido. Realmente parece que o Estado quer manter essas pessoas viciadas e controladas.

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